Karen Acioly e Roberta Pennafort, para a página O Globo, conduzem um passeio histórico dos contos, além de nos reforçar a importância deles para todos nós, principalmente para as crianças.
Antes da linguagem, o homem já sentia a necessidade de contar ao próximo o que percebeu. Visível ou invisível, imaginado ou vivido, o fato só ganhava existência quando saía pela boca e chegava ao ouvido do receptor. Nascia assim a tradição oral.
Os desenhos rupestres, os aedos gregos, os griôs da Índia e da África, os românticos menestréis e as Sherazades universais são provas de que as histórias têm vida infinita e, ao contrário dos modismos efêmeros, ganham ainda mais força em tempos de crise.
O Brasil, desde sua origem, é atravessado por míticas histórias vindas da tradição oral dos povos da floresta e dos colonizadores. Amantes dessas narrativas tradicionais, o historiador, antropólogo e jornalista Câmara Cascudo (1898 – 1986) e o escritor, poeta e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014) semearam novos contadores no conturbado mundo contemporâneo.
— O que seria de nós sem eles? Seríamos um país sem memória, sem passado, incapaz de valorizar inclusive a novidade, porque tudo nos pareceria igualmente novo — reflete o escritor, compositor e contador de “causos” Bráulio Tavares.
A profusão de eventos com contação de histórias como a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP); a Feira Literária de Paracambi; a Bienal do Livro de Fortaleza; a Jornada de Literatura de Passo Fundo, além das oficinas criativas prova que a necessidade de ouvir e transmitir histórias está em alta.
Para comemorar os 50 anos de “Flicts”, José Mauro Brant, um dos mais importantes nomes da contação de histórias no Brasil e reconhecido por inovar e misturar linguagens, levará para a Jornada de Literatura de Passo Fundo e para a Espanha, em novembro, seu novo espetáculo: “ Ziraldo de todas as cores”. O espetáculo apresenta as versões musicadas de “O planeta Lilás”, “A Fábula das 3 cores”, e de outros encantamentos do pai do Menino Maluquinho.
Pesquisador de narrativas musicais, Brant trabalhou histórias pouco conhecidas da tradição oral ibérica. Cantadas em versos, as narrativas emocionaram e renderam reações inusitadas, muitos prêmios e convites para recontá-las em Portugal.
Daniela Fossaluza, atriz, artesã e mestre em Literatura, desenvolve há mais de 20 anos a linguagem dos tapetes tridimensionais que servem de suporte às narrações da companhia que dirige, a Costurando Histórias. Através de verdadeiras instalações cênicas, traz as histórias de Baba Yaga — a mãe de todas as bruxas, Ariadne e seu fio mágico, Yara, além de adaptações de Guimarães Rosa.
— Gosto de contar histórias que compartilham com o público o espanto diante das coisas da vida, do amor, da morte — confessa Daniela.
Na França, a história de Buchettino, o Pequeno Polegar, é recontada por uma atriz acompanhada por 40 camas, para que as crianças exercitem o hábito de apreciar histórias antes de o sono chegar.
Há também quem utilize, de forma minimalista, algum recurso cênico com o cuidado de não tirar o foco da narrativa:
— Eu trabalho com o resgate da oralidade. A estrela é a história. É ela que tem que brilhar — afirma Maria Clara Cavalcanti, integrante do grupo “Confabulando” e especialista em literatura infantil, que vai dar nova oficina de contadores em julho, na Estação das Letras.
— A contação de histórias agrega pessoas e possibilita o contato com o sagrado de todos os povos, o encontro consigo mesmo por meio da palavra do outro. Precisamos disso para viver — ressalta Ninfa Parreiras, escritora e psicanalista.
“Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos”, escreve Ailton Krenak em “Ideias para adiar o fim do mundo”, seu novo livro.
Diversos e potentes, os contadores brasileiros de histórias criam novas sementes e despertam curiosidade fundamental para o livro e para a leitura. Com a fala, a respiração, o olhar e as expressões faciais, reescrevem a paixão pela palavra, pelo folclore, pela literatura e pelo que atravessa todos os tempos: as melhores histórias.